A síndrome de Jürgen Klopp, o médico frustrado que virou treinador de futebol
Paulo Coelho 2018-05-25 19:00:53 评论
Viciado em ajudar, técnico do Liverpool gerencia pessoas como ninguém e por vezes até exagera nas relações interpessoais: “Preciso trabalhar menos com o coração”. Só que vencer finais não é o forte
Antes de mais nada, um exercício de reflexão: o que você acha de Jürgen Klopp? Na verdade, o desafio aqui é desprender seu julgamento de tudo o que previamente sabe sobre o treinador do Liverpool. O currículo, as preferências táticas, as entrevistas, aquele jogo... Pense que acabou de conhecer esse sujeito engraçado, talvez até meio maluco, óculos fundo de garrafa, barba por fazer e que gargalha de três em três palavras. Não há como negar que ele é um cara diferente.
Vamos partir do princípio de que a figura de Klopp desperta simpatia. No pior dos casos, um sentimento neutro - mas raramente aversão. E sabe por quê? Bem, os relatos de quem está próximo são de que ele deposita uma dose generosa de atenção a tudo que está ao seu redor. Escuta. E se envolve.
Como quando uma repórter perguntou sobre Jordon Ibe, atacante com o qual havia trabalhado fazia tempo no Liverpool. E o treinador respondeu com a história minuciosamente detalhada de como o jogador havia conhecido a esposa. “Diga-me, eles ainda estão juntos?”, quis saber. Com o agravante de que Ibe atuou em meia dúzia de jogos apenas sob o comando de Klopp.
Aos 50 anos, o comandante dos Reds se autodescreve como alguém viciado em ajudar. Quase como se tivesse uma síndrome. A síndrome de Jürgen Klopp.
O desejo de fazer com que os outros “melhorem a cada dia” alimentou, durante anos, o sonho de se tornar médico. Ora, aprender a curar pessoas parecia o caminho perfeito para quem se importa tanto com elas. Contudo, cursar medicina exigia notas altas no colégio. Mais altas do que Klopp conseguiria atingir. “Mas foi perto, para ser honesto”, revelou ele, um médico frustrado bem antes de treinador de futebol.
Por vezes, há até um exagero. O perfil autocrítico de Klopp lhe permite enxergar o ônus de misturar trabalho e coração. Notou isso pela primeira vez quando deixou o Mainz 05 em 2008, depois de 18 anos – 11 como jogador, e outros sete como treinador.
- A cidade nos deu uma festa de despedida, e eu chorei por uma semana. Pensei: preciso trabalhar menos com o coração – admitiu assim que chegou ao Borussia Dortmund, para logo depois completar. – Mas depois de uma semana no Dortmund, me vi na mesma situação.
De fato, as coisas não mudaram no clube aurinegro onde ficou por mais sete anos, de 2008 a 2015. Período em que conquistou duas vezes o Campeonato Alemão, uma a Copa da Alemanha e outras duas a Supercopa – ainda chegou na final da Liga dos Campeões na temporada 2012/13, mas perdeu para o Bayern de Munique por 2 a 1. Basta saber como ele reagiu à venda da joia Mário Götze, lapidado nas categorias de base do clube desde os nove anos de idade, ao maior rival em 2013.
Na ocasião, Klopp recebeu a notícia de Michael-Zorc, diretor-geral do Dortmund. “Foi como um ataque cardíaco”, recorda. No momento em que soube que o destino de Götze seria o Bayern, voltou para casa, encontrou a esposa e cancelou os planos da noite. Os convites VIP para o lançamento do filme de um ator muito amigo do treinador foram deixados de lado. “Não, eu precisava ficar na minha”.
Pouco antes, Shinji Kagawa havia se transferido para o Manchester United. Uma partida de menos impacto midiático, mas igualmente dolorosa.
- Nós choramos durante 20 minutos nos braços do outro quando foi embora – relembra nosso emotivo personagem.
Jogador mediano, treinador apaixonado
Outro exercício, esse de memória: você se lembra do Jürgen Klopp jogador? Em que posição atuava? Ou ao menos se jogava bem ou não? Difícil dizer. Afinal, o treinador de ponta que conhecemos hoje, com as chuteiras nos pés, não teve lá o que podemos chamar de uma carreira expressiva.
A propósito, a imersão no mundo do futebol se deu única e exclusivamente por causa de Norbert, seu pai. Glatten, a pequenina cidade alemã onde nasceu o técnico, é conhecida igualmente pelas inúmeras belezas e escassas opções de lazer. É por isso que ele seguia uma rotina rígida de exercícios e esportes, sempre sob as rédeas do pai.
- Eu tinha uma boa relação com ele. Era como ter um treinador com você o tempo todo, 24 horas por dia, sete dias por semana – se lembra carinhosamente do falecido pai.
- E também não era tão difícil. Ele nunca me punia ou alguma coisa assim. Eu sempre disse que amava todas as coisas que meu pai queria que eu fizesse. Essa era a minha sorte. Futebol, é claro, mas eu também adorava tênis. Nunca discuti com ele por causa disso – completou.
Jürgen Klopp iniciou a carreira nos campos como atacante. Próximo do fim, já admitia atuar mais recuado, por vezes até como zagueiro. O destrambelhado Klopp passou por times pequenos e só sossegou mesmo no Mainz: foram mais de 300 partidas disputadas pelo clube. No entanto, o que ele queria mesmo era ser treinador, e a diretoria tanto sabia que lhe concedeu a oportunidade em 2001.
Decerto treinar era a paixão de Klopp, e também sua maior aptidão. Em sete anos no comando, venceu (109) mais do que perdeu (83) e teve como maior conquista o acesso à primeira divisão, o primeiro na história do clube.
O gerente de pessoas quer ser vencedor
Com o tempo, Jürgen Klopp evoluiu. Mostrou isso ao mundo no Borussia Dortmund, mas sua forma mais consolidada dá as caras no atual Liverpool. É um técnico de grande conhecimento tático, que aposta em linhas mais avançadas e jogadores de velocidade – entenda mais sobre o estilo rock’n roll do finalista da Champions. Mas o seu diferencial está no ato de gerenciar pessoas.
Klopp se tornou um mestre na arte que consiste em encher o atleta de confiança e extrair o melhor dele. Não à toa, Roberto Firmino deu um salto de produtividade sob o comando do treinador, a ponto de marcar 27 gols numa só temporada, um feito inédito na carreira. Lovren, tão contestado no passado, e Robertson, que até há pouco tempo pedia emprego na internet, são outros exemplos.
"A vida nessa idade é um lixo sem dinheiro #PrecisoDeUmEmprego"
Mas o case de sucesso de Jürgen Klopp, aquele guardado com carinho no portfólio, se chama Mohamed Salah. O treinador do Liverpool tem participação direta na temporada fantástica que faz o atacante egípcio, que jamais havia estrapolado a casa dos 20 gols na mesma temporada. Terminou a atual com 44.
- Eu sempre me encontro com o jogador antes de assinar. É quando eu decido, eu tenho boa intuição com pessoas. Foi uma conversa fantástica. Ele (Salah) é aberto, sorridente o tempo todo. Conversamos por umas três horas sobre tudo, da família dele à minha. E, no fim, concordamos que iríamos trabalhar juntos – explicou.
- Eu costumo lembrar os jogadores de tempo em tempo desse acordo. E tem funcionado muito bem com Mo – emendou ele.
Apontado com méritos entre os maiores treinadores da atualidade, Jürgen Klopp precisa aprender algo básico, no entanto: conquistar títulos. Somando as passagens por Borussia Dortmund e Liverpool, chegou a seis finais – quatro no time alemão, duas no inglês. E venceu apenas uma (Copa da Alemanha em 2012). É claro que o jejum incomoda.
- Derrotas em finais? Eu poderia escrever um livro sobre isso, todo mundo sabe. Não acredito que as pessoas estejam interessadas em perdedores – disse numa coletiva de imprensa.
Pois bem, ele terá uma nova chance no sábado.
- 消息参考来源: GLOBOESPORTE
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